Mayra Aguiar, um dos maiores nomes do esporte brasileiro em todos os tempos, anunciou nesta quinta-feira (26) sua aposentadoria. Aos 33 anos, a tricampeã mundial e dona de três medalhas olímpicas no judô irá pendurar o quimono. A decisão era trabalhada pela atleta e sua equipe há quase um ano. Desde o início da atual temporada, a judoca nascida em Porto Alegre manifestava para pessoas mais próximas o desejo de parar.
Referência na modalidade, Mayra defendeu a seleção brasileira principal desde os 14 anos devido ao enorme talento. Enquanto empilhava conquistas nas categorias de base, enfrentava algumas das melhores judocas do mundo no adulto e mostrava que havia chegado para marcar história.
Foi assim que aos 15 anos foi bronze no Mundial sub-20 de 2006 e, no ano seguinte, conquistou a prata no Campeonato Pan-Americano de Montréal e nos Jogos Pan-Americanos, disputados no Rio de Janeiro, quando enfrentou na decisão a americana Ronda Rousey, seis anos mais velha e que, além de se tornar medalhista olímpica de bronze (Pequim-2008), se consagraria como campeã do UFC.
Foi ainda como atleta da categoria médio (até 70kg), que Mayra fez sua estreia olímpica em Pequim. Com apenas 16 anos, perderia na primeira rodada para a então vice-campeã europeia, a espanhola Leire Iglesias. Nesse mesmo ano, ainda seria prata no Mundial sub-20 e sofreria a primeira lesão mais séria da carreira, que a faria passar por uma cirurgia no joelho direito e atravessar 10 meses de recuperação.
As lesões sempre foram um obstáculo. No total ela passou por oito cirurgias na carreira. Ao longo do tempo elas cobraram um preço e ensinaram a gaúcha a conviver com limitações impostas a cada nova contusão.
Os obstáculos foram superados e pareciam servir de combustível para cada nova conquista. A menina tímida que começou na modalidade, após fazer aulas de balé, teve na irmã Hellen, a inspiração para praticar judô.
E depois de superar a primeira cirurgia veio a troca de categoria. E como um bom fenômeno já foi ao pódio do meio-pesado (até 78kg) do Mundial júnior de 2009. Em 2010, a primeira medalha em Mundial. Foi prata ao perder para a americana Kayla Harrison, com quem protagonizou uma das maiores rivalidades do judô na última década. Esta foi a primeira vez que uma judoca do Brasil disputou uma final na do evento. Ainda teve tempo de se despedir das categorias de base com um ouro no Mundial daquele ano.
A segunda Olimpíada seria em Londres. Na campanha até Londres, um bronze no Mundial de 2011 e no Grand Slam de Paris, uma das principais competições do circuito mundial, além da medalha de ouro no Grand Slam do Rio de Janeiro, derrotando Kayla Harrison, que a derrotaria nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, onde subiu no pódio para receber um bronze.
O ano de 2012 teve ouro no Grand Slam de Paris e a primeira medalha olímpica da carreira. Foram três vitórias até a semifinal com a americana Harrison, de quem havia vencido na decisão do Grand Slam de Paris meses antes. Mas em Londres, a vitória ficou com a rival. Sem tempo para lamentar, Mayra garantiu o bronze superando a holandesa Marhinde Verkerk. Aos 21 anos, terminaria a temporada como número 1 do ranking mundial, fato inédito para uma brasileira desde a criação da classificação em 2009.
As medalhas seguiram em 2013, quando se sagrou bicampeã do World Masters, competição que reúne apenas os 16 melhores de cada categoria. No Mundial foi bronze e ainda ajudou a seleção brasileira a ficar com a prata por equipes.
Uma pausa até julho de 2014, quando voltou a competir e faturou o ouro no Grand Slam de Almaty (Cazaquistão) foi fundamental para que conquistasse seu primeiro título mundial, ao derrotar a francesa Audrey Tcheuméo, outra de suas grandes rivais, na decisão. Uma nova pausa para recuperar o corpo e em 2015 a prata nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, quando foi derrotada por Kayla Harrison.
O anos de 2016 era especial porque os Jogos Olímpicos aconteceriam no Rio de Janeiro, e Mayra lutaria em casa. A temporada começou com mais um ouro no Grand Slam de Paris, vencendo a oitava luta em 15 confrontos com Harrison. Com status de ídolo do esporte brasileiro chegou às semifinais no Rio e parou em Tcheuméo. Mais uma vez deu a volta por cima e bateu a cubana Yalennis Castillo para garantir seu segundo bronze olímpico. A exemplo de anos anteriores, a gaúcha precisou de um pausa para recuperar o físico e o emocional.
A volta em junho de 2017 veio com o título do Grand Prix de Cancun, México. Meses depois, na Hungria, venceria Tcheuméo e duas japonesas para levar o bicampeonato mundial. A francesa caiu nas quartas e as nipônicas Ruika Sato e Mami Umeki, na semifinal e final, respectivamente.
Em 2018, a então líder do ranking perdeu na segunda luta no Mundial. Mas estava livre das lesões e atravessava boa fase física, comprovada no ano seguinte, com a conquista de seu sexto título do Campeonato Pan-Americano, a primeira medalha de ouro em Jogos Pan-Americanos e o bronze no Mundial, que lhe tornaria a maior medalhista do Brasil na história da competição, com seis pódios.
O ano olímpico de 2020 iniciou com Mayra Aguiar conquistando a prata no Grand Slam de Düsseldorf, na Alemanha, em fevereiro. A chegada da pandemia paralisou o mundo e os Jogos Olímpicos de Tóquio foram adiados para 2021. Mas em setembro, uma ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo ameaçou a carreira da judoca da Sogipa.
A recuperação chegou e o primeiro teste veio no Campeonato Mundial, quando sentiu a falta de competições e parou nas oitavas de final diante de uma velha conhecida, Marhinde Verkerk, a adversária de sua primeira medalha olímpica.
Nos Jogos de Tóquio, Mayra perdeu para a alemã Anna-Maria Wagner, que era a atual campeã do mundo. Mas a fórmula da recuperação era conhecida e duas vitórias lhe garantiram o terceiro bronze olímpico, o que a conferia o título de primeira atleta brasileira a conquistar três pódios individuais.
Competindo em alto nível, Mayra fez um grande ano de 2022, vencendo 20 das 26 lutas que disputou, sendo cinco delas no Mundial de Tashkent (Uzbequistão), quando faturou o tricampeonato, feito inédito no judô brasileiro. No final da temporada ainda garantiu um bronze no World Masters e encerrou como líder do ranking.
Um novo grande período de recesso e a gaúcha só voltou às competições em setembro de 2023, quando venceu seu oitavo título do Campeonato Pan-Americano e ainda conquistou um título inédito para o judô brasileiro, o ouro do Grand Slam de Tóquio. Mas a esta altura, o corpo e até mesmo o lado emocional começaram a pesar cada vez mais e a própria atleta colocou sua quinta participação olímpica em xeque.
Após muita conversa, reuniões, idas e vindas, Mayra optou por competir apenas em Paris. E apesar de toda experiência acabou caindo na estreia, diante da italiana Alice Bellandi, então líder do ranking da categoria.
Emocionada, falou da carreira e chegou a deixar em aberto o futuro. Mas todos que a cercam já tinham a convicção de que aquela tinha sido sua última aparição no cenário internacional. Mayra Aguiar deixa os tatames e passa a ser sinônimo de vitória, de perseverança, e, acima de tudo, de judô.