Não há borracha, tinta ou cimento que apague ou cubra a história de um jogador em um clube, para o bem ou para o mal. Não foram poucos os que decepcionaram uma legião de fãs ao irem para um segundo lado de uma acirrada rivalidade como a Gre-Nal. Caso de sucesso nos dois times, outros nem tanto. Desprezo, decepção, raiva, traição. Sentimentos vividos por quem vê alguém que lhe deu alegria ter sucesso no lado de lá da peleia.
Mas nenhum corajoso de ter representado Grêmio e Inter sofreu como Roger Machado tem sofrido nesses primeiros meses de Beira-Rio. Sua homenagem na Calçada da Fama foi vandalizada. Outros seis nomes deste hall de ídolos também vestiram vermelho. Há aqueles que não receberam a honraria, mas foram peças importantes da vida gremista, como o ex-meia Arilson.
As memórias ainda estavam frescas nas mentes de gremistas, de Arilson e, por que não, de colorados. Um ano antes de assinar com o Inter, em 1996, o meia foi campeão da América pelo Grêmio. Seis meses antes de chegar ao Beira-Rio, disputou sua última partida como jogador gremista na final do Mundial 1995. Após desentendimentos no Kaiserslautern-ALE, seu desejo era retornar para seguir a vida no Olímpico. Ouviu do então presidente Fabio Koff que não havia dinheiro para trazê-lo de volta.
Escutou propostas de muitos clubes, mas a melhor tinha cores antagônicas daquelas que usara meses atrás. Mesmo sendo gremista desde criancinha, acertou com o Inter. Seus gols como atleta colorado e as vitórias de Roger no comando do Inter não mudam o que eles representaram nos anos 1990 para quem ia ao Estádio Olímpico.
O Grêmio é o meu time de coração. Eu queria voltar. Todo mundo me conhece como o Arilson do Grêmio. Dei o sangue no Inter. Fui campeão (gaúcho) no Inter também. Apesar de ter jogado no Inter, continuo sendo ídolo. Não é porque joguei no Inter que deixei de ser ídolo do Grêmio.
O caminho inverso foi feito por Claudio Duarte. Jogador icônico colorado nos anos 1970, tricampeão brasileiro e octa gaúcho, virou técnico e teve múltiplas passagens pelos dois clubes. Quem for aos museus de Inter e Grêmio verá a contribuição de Claudião em forma de taça.
Dono de um estilo brincalhão inconfundível, tem na sua personalidade uma forma de amenizar as broncas. Ele acredita que hoje em dia, devido às redes sociais, a situação se tornou mais complicada.
— Claro que ouvi alguns xingamentos. Sempre levei na galhofa. Me lembro de ver jogos nos dois estádios e algum torcedor falava uma gracinha ou me ofendia, eu respondia: "Não quer que eu fique aqui? Então devolve as faixas que ganhamos e tu comemorou". Então, alguém aparecia para me defender. Era uma época diferente. Hoje é muito pior — enfatiza.
Exemplo prático da percepção de Claudião aconteceu na madrugada de sábado, 2 de novembro. Alguém ainda não identificado invadiu a esplanada da Arena e cimentou o local onde está a homenagem a Roger na Calçada da Fama.
Ex-jogador do Inter e ex-técnico da dupla Gre-Nal
Duas semanas depois do ocorrido, o técnico colorado ainda não se manifestou publicamente sobre o ato de vandalismo. Quando questionado, preferiu focar no bom momento vivido pelo seu time no Brasileirão.
O torcedor nasce e morre sob as mesmas cores em uma relação tão eterna quanto passional. A emoção gasta acompanhando o clube do coração tira um pouco a noção de que em campo estão profissionais. O torcedor é um amador, no sentido de aquele que ama.
— O torcedor é passional. O ídolo é um representante, nesse caso, ídolo e herói porque tem conquistas importantes. Jogadores são ídolos e heróis de uma história, de uma tradição. O torcedor é sempre amador nessa relação. A torcida fica ressentida, queria que ele tivesse a mesma relação de amor que ele tem pelo clube — explica o sociólogo Ronaldo Helal, coordenador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte da UERJ.
Helal ressalta que o ídolo é aquele que é idolatrado, copiado pelos outros. O herói vai além, se torna referência em momentos importantes, situação natural em competições esportivas. Casos de Roger, Claudião e Arilson.
Sociólogo
Quando um nome desse porte vai para o outro lado, aquele que é guiado pela paixão se sente traído. O que foi feito está feito, registrado e eternizado em forma de conquistas.
— Quem fez isso se sente muito traído. Toma o caso como uma ofensa pessoal. (Nesses atos) as pessoas acabam falando mais de si do que dos outros. Para quem fez isso, trair ou ser traído é uma grande questão. Algo inadmissível na cabeça dele. Mas não tem traição nenhuma, é uma relação comercial. Mas é impossível apagar o que ele (Roger) fez pelo Grêmio. Ele está nos títulos — analisa o psicanalista Mário Corso.
Psicanalista
Roger não será o último a ter sucesso nos dois pólos da rivalidade, mas, quem sabe, seja o último a sofrer consequências tão graves.