Seis em cada 10 gaúchos avaliam de forma positiva o atendimento que recebem nas redes pública e privada de saúde. A maioria reclama do tempo de espera para consultas e da falta de médicos. As informações estão em uma pesquisa encomendada pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e executada pelo Instituto de Pesquisas de Opinião (IPO), com o objetivo de compreender a percepção da sociedade sobre os sistemas e a relação médico-paciente.
Realizado entre 6 e 30 de março, o levantamento foi elaborado a partir de entrevistas com mil pessoas acima de 16 anos, residentes de 46 municípios gaúchos em diferentes regiões do Estado.
Questionados sobre a relação com os médicos, grande parcela dos entrevistados apontou que “tem melhorado” ou “se mantém igual”. Para 18,1%, contudo, essa experiência “tem piorado”, em função de atendimentos desinteressados e da falta de empatia pelos profissionais.
De acordo com a pesquisa, 43,7% das pessoas utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS) sempre que precisam, enquanto 40,7% intercalam entre os serviços público e privado. Outros 15,6% têm plano de saúde ou usam apenas o particular. O levantamento destaca que, na comparação com a pesquisa anterior, realizada em julho de 2021, o grau de dependência do SUS diminuiu 7,2%.
Entre os usuários que utilizam o SUS sempre ou às vezes, a maioria (59,5%) avalia os serviços prestados de forma positiva (ótima e boa). Já 29,4% consideram o atendimento regular e 10,5% têm avaliações negativas (ruim e péssima).
Para mais de 40% dos ouvidos, o principal problema da saúde pública no RS está na demora para conseguir consultar com especialistas ou realizar exames. A estrutura precária dos hospitais, a má gestão da saúde e a falta de investimento são outras questões apontadas pelos entrevistados:
Entre os usuários apenas de serviços privados, a percepção é semelhante: 60,3% avaliam positivamente (ótimo e bom), 23,7% de maneira mediana (regular) e 12,8% de forma negativa (ruim e péssimo). Os principais motivos citados pelos críticos do sistema também envolvem a demora dos agendamentos e a falta de profissionais:
Na avaliação de Eduardo Trindade, presidente do Cremers, a pesquisa deixou claro que toda a população percebe onde estão os gargalos, tanto do sistema público quanto do privado. De acordo com o médico, as reclamações sobre a demora chamam a atenção para a necessidade de reforçar a importância da prevenção, já que problemas de saúde mais avançados são mais complicados de tratar:
Trindade também destaca que a questão da empatia e do tempo na relação médico-paciente foram pontos bastante abordados no levantamento.
— Então, aquela supervalorização da alta complexidade não pode ser uma estratégia única. Temos que valorizar muito a estratégia das unidades básicas de saúde, do posto de saúde, do médico com tempo para atender o seu paciente. Não adianta querer sobrecarregar o profissional com indicadores, com metas, com planilhas, se não dá tempo de atender o paciente de forma adequada — aponta o presidente do Cremers.
A cientista social e política e diretora do IPO Elis Radmann concorda que os usuários têm falado muito sobre a humanização do atendimento e que essa necessidade está relacionada à transformação digital, que faz com que as pessoas pesquisem mais na internet e cheguem aos consultórios mais ativos e com mais dúvidas. Na visão da especialista, os médicos ainda não estão conseguindo lidar com o “novo modelo mental do paciente”, que interage e cobra mais.
Elis enfatiza, contudo, que as respostas obtidas também trazem críticas à morosidade do sistema, ao tempo de espera para cirurgias, acesso aos especialistas e aos exames. O grupo que faz esses apontamentos, na maioria das vezes, é formado por pessoas que têm urgência, devido a um problema de saúde.
— Quem critica o SUS está alertando que não pode esperar, que não tem tempo para esperar. E eles vão nos dizer na pesquisa que gostariam que o Conselho de Medicina ou as entidades médicas de uma forma conjunta definissem protocolos mínimos de espera, porque hoje eles ficam à mercê do tempo de espera do município ou do governo do Estado — comenta a diretora do IPO, acrescentando que a população mais crítica é formada, em sua maioria, por pessoas negras e pardas.
A pesquisa do Cremers também traz a opinião dos usuários sobre a telemedicina. Pouco mais da metade dos entrevistados (54,5%) avalia o serviço de forma positiva, enquanto 23,6% têm uma percepção negativa e 21,9% não sabem avaliar.
Os usuários que avaliam positivamente apontam principalmente a praticidade no contato com o médico, sem necessitar de locomoção, e a agilidade dos atendimentos. Já a percepção negativa está relacionada sobretudo à impossibilidade do contato físico.
— Hoje, apenas 18% em média já utilizaram esse sistema. As pessoas nos dizem que concordam com a telemedicina quando tiverem um tutor junto. Então, quando vai fazer uma consulta com o clínico geral e ele vai conectar com um cardiologista para avaliar seus exames. Outra tendência que o usuário aceita é no retorno, quando faz a consulta presencial, faz os exames, o diagnóstico clínico e depois o acompanhamento, e vai mesclando entre o digital e o presencial — afirma Elis.
O presidente do Cremers ressalta que ainda há muito para melhorar em ambos os sistemas e que os caminhos para isso envolvem uma alteração da forma de financiamento da saúde e a regionalização do atendimento — especialmente na atenção básica. Já Elis aponta que a resolução passa muito pela questão dos investimentos, pela correção da tabela do SUS e pela implementação de um sistema informatizado de gerenciamento.
— Temos que fortalecer a formação médica de qualidade, não podemos precarizar o ensino médico. Também temos, sem dúvida, que atacar esse problema estrutural, porque, senão, o sistema se tornará em pouco tempo insustentável e imparável, tanto o público quanto o privado — alerta Trindade.
Lisiane Fagundes, diretora do Departamento de Gestão da Atenção Especializada (DGAE) da Secretaria Estadual de Saúde (SES), destaca que as dificuldades observadas no atendimento de média complexidade são um “grande desafio de muitos anos”, e são uma realidade em todo o Brasil. Essa questão, segundo ela, passa pela necessidade de estruturação e fortalecimento contínuo da atenção primária e da organização de todos os serviços.
Essa organização, aponta, passa também pelo financiamento adequado:
— Viemos desde a primeira gestão do governador Eduardo Leite atuando fortemente para minimizar esses impactos, porque sabemos e concordamos que é uma situação muito complexa para o paciente que fica aguardando meses e, às vezes, anos por um atendimento. Não é possível que seja dessa forma, é importante que o poder público, em todas as instâncias, busque alternativas para minimizar esses impactos para a população brasileira.
Conforme Lisiane, o primeiro ato do Estado foi colocar as contas em dia com os hospitais e, depois, iniciar o planejamento para a organização do financiamento às instituições. Destaca, então, a criação do Programa Assistir, que mudou a forma de repassar recursos, priorizando “onde temos uma maior prestação de serviço”.
Em três anos de implementação, houve um aumento de 30 mil internações pelos hospitais do interior do Estado e uma ampliação de R$ 300 milhões em recursos.
— Além desse aporte de recursos, que é da rotina, foram adotadas ações de investimento nas estruturas hospitalares e de saúde para que pudessem qualificar seus espaços físicos e equipamentos, para conseguir ampliar o atendimento à população — enfatiza, acrescentando que a responsabilidade de investimento envolve os municípios, o Estado e a União, e que é necessária uma ampliação efetiva de recursos da tabela SUS.
O Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre defende que o resultado da pesquisa é positivo, sobretudo a partir dos baixos números de avaliação negativa. Em nota assinada pelo presidente do sindicato Henri Siegert Chazan, a entidade destaca a complexidade do setor:
"Em relação às queixas apontadas, a saúde enfrenta questões complexas, como relações contratuais com as fontes pagadoras (seguradores, cooperativas), baixa remuneração que pode até inviabilizar a prestação do serviço e, também, eventos imponderáveis, como a enchente de 2024, que impediu a realização de cirurgias por mais de 30 dias, resultando em uma fila maior pelos procedimentos que ficaram represados. O Rio Grande do Sul é considerado o segundo melhor polo de saúde do país, o que nos orgulha muito, reconhecimento obtido pela qualidade dos seus hospitais, universidades e profissionais."