O sangue doado por uma única pessoa pode salvar a vida de, pelo menos, outras três. A primeira transfusão ocorreu entre 1600 e 1700, quando um médico francês injetou sangue de bezerro em um homem, na tentativa de curar a insanidade mental do paciente. O homem apresentou vômito, suor excessivo, urina escura e faleceu dias após o procedimento.
O fato trouxe um certo medo à comunidade médica, que por mais de 150 anos condenou o procedimento e evitou repeti-lo. Incomodado com a morte de mulheres vítimas de hemorragia durante os partos, em 1817 o britânico James Blundell deu o primeiro passo para o sucesso das transfusões ao definir que humanos só poderiam receber o sangue de outros humanos, sem material de origem animal para não repetir o insucesso do procedimento do século XVI. Na época, ele desenhou seringas e sondas para levar o sangue de uma pessoa a outras e testou os equipamentos em cachorros antes de utilizar.
— O relato é que entre 1600 e 1700 descobriram a circulação sanguínea. A primeira tentativa (de transfusão) foi com sangue animal. Então, assim, direto do animal para o braço do paciente — contou a enfermeira Scheila Roberta de Souza, supervisora do Banco de Sangue da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, que trabalha há 40 anos em hemocentros.
Blundell realizou transfusões em 10 pacientes, dos quais apenas quatro sobreviveram. Apesar de estar correto referente à importância das transfusões para salvar vidas, Blundell não tinha conhecimento sobre a existência de diferentes tipos de sangue e que ao misturá-los formava coágulos fatais aos pacientes. As propriedades sanguíneas foram descobertas em 1900, pelo médico austríaco Karl Landsteiner, que venceu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina 30 anos após a pesquisa.
Landsteiner mapeou milhares de amostras de sangue, coletadas de pacientes saudáveis e doentes, para analisar as misturas. Foi assim que ele identificou que os coágulos significavam a incompatibilidade das propriedades sanguíneas e que um paciente só poderia receber o sangue de outras pessoas de grupos compatíveis.
— As primeiras transfusões eram feitas assim, de braço a braço. Tirava do doador e ia direto para o paciente, não se tinha conhecimento sobre os grupos sanguíneos. Então, quando era compatível era sorte — diz Scheila.
O sangue doado por um voluntário salva, no mínimo, três pacientes. Após os testes para verificar a contaminação de doenças, três hemocomponentes são retirados do material coletado: as hemácias, as plaquetas e o plasma. Cada um destes pode ser doado para uma pessoa, conforme a necessidade. No dia 14 de junho, celebra-se o Dia Mundial do Doar de Sangue.
— Essa bolsa de sangue, que é a coletada do doador, ela é dividida. As hemácias são as mais conhecidas, aquilo que a gente pensa no sangue, a parte vermelha. As plaquetas, as principais responsáveis pela coagulação. E o terceiro caso é o plasma, que também é usado para pacientes com sangramento agudo, principalmente em cirurgia, ou para pacientes que têm algum sangramento que não consegue ser controlado. São esses os três principais componentes que são separados. Cada um com sua validade, sua conservação, em métodos um pouquinho diferentes — explica o hematologista Ricardo Castilhos Barcellos de Menezes, chefe do Banco de Sangue do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Menezes salienta que a doação de sangue possibilita tratamentos intensivos das doenças, especialmente sessões de quimioterapia em pacientes com câncer. Alguém com leucemia, por exemplo, que necessita da reposição de plaquetas, pode receber hemocomponentes coletados de até 150 doadores, em alguns casos.
— Sem transfusão, sem reserva de sangue, sem ter o sangue disponível, muitas cirurgias seriam canceladas e os pacientes que fazem as quimioterapias também não poderiam fazer sessões tão intensivas. E quando o paciente não pode fazer uma quimioterapia mais intensiva, ele tende a não responder tão bem. Então, o resultado ficaria prejudicado — explica Menezes.
Existem oito grupos sanguíneos, cada um com suas particularidades e seu RH, positivo (+) ou negativo (-). Entre eles, destaca-se o O- que é doador universal, e o AB+, que pode receber doação de todos os demais tipos. Os grupos de RH negativo são mais raros, por isso costumam ser prioridades para doação.
Para doar é necessário seguir alguns critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Antes da coleta, o possível doador passa por uma entrevista que auxilia as equipes a compreender seu estilo de vida e comportamento, para mapear pré-condições que podem ou não favorecer a doação. Scheila saliente que 30% das pessoas reprovam durante o questionário.
— É um questionário sobre o comportamento dele (doador), para verificar se existe alguma doença pré-existente, se faz o uso de alguma medicação. Algumas doenças, tomando medicação, não se pode doar sangue, outras pode, então o questionário é para isso — explica. Abaixo, confira os requisitos para doar sangue:
Cada hemocomponente tem uma validade diferente, o que dificulta a administração dos estoques dos hemocentros. Conforme a Secretária Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (SES), neste momento, a situação é considerada tranquila no Hemocentro do Estado. Os estoques não estão em dia, mas a necessidade maior é por sangue dos tipos O- e O+, destacou a SES.
Na contramão, a Santa Casa de Porto Alegre tem realizado entre 30 e 40 coletas por dia. A instituição necessita de, ao menos, 80 doadores diários, segundo Scheila, para manter a regularidade do estoque do hemocentro. A situação é parecida no Banco de Sangue do Hospital São Lucas, onde Menezes salienta que o estoque é baixo e há necessidade de doação de todos os tipos sanguíneos, especialmente dos tipos de RH negativo – por serem mais raros.
— O ideal para um banco de sangue seria ter um número médio de doadores constantemente. As plaquetas são as que mais se têm dificuldade de manter um estoque adequado, pela produção ser muito pequena. São necessários seis doadores para produzir uma dose de plaqueta para um paciente e tem validade de só cinco dias, enquanto a hemácia tem de 45. Então, para gerenciar um produto que vence em cinco dias, a gente acaba tendo em excesso ou em escassez — explica Menezes, que na sequência reforça o pedido por doações de qualquer tipo de sangue.
Para suprir o déficit, a instituição recebe apoio de outros hemocentros da Capital, em uma rede de apoio que troca informações constantemente para evitar desabastecimento nos hospitais.
Hemocentro do Estado do Rio Grande do Sul, unidade de Porto Alegre
Complexo Hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Banco de Sangue do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Grupo Hospitalar Conceição
Hospital de Pronto Socorro (HPS)
Hospital Universitário da Universidade Luterana do Brasil (HU/Ulbra)
Hemovida