O efeito na saúde mental das mulheres gaúchas a partir da maior tragédia climática do Estado ainda não pode ser estimado. Isso porque os impactos ainda serão sentidos pelas afetadas por algum tempo. É inegável, porém, que a situação já está gerando diversas consequências no bem-estar delas.
Segundo a professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS, Luísa Habigzang, o público feminino é um dos mais afetados em situações de desastres socioambientais e a razão disso está na desigualdade de gênero, que se agrava em momentos como este:
— Existem diferenças em relação às expectativas que se têm entre os homens e as mulheres na sociedade. Quando analisamos a situação das mulheres que estão nos abrigos, há uma forte preocupação atrelada a essa responsabilidade de cuidado dos outros, da limpeza e reconstrução da casa, o que é muito vinculado ao público feminino socialmente.
De acordo com Luísa, a sobrecarga que recai sobre elas deve ser acompanhada de perto, pois problemas de depressão, ansiedade, e outros transtornos do estresse pós-traumático podem vir a aparecer.
— Pode-se dizer que são aspectos comuns de surgirem depois de uma experiência de um evento traumático como este que a gente está experienciando — diz a professora.
O que a maior parte das pessoas está demonstrando hoje, porém, são sintomas de estresse agudo, destaca a especialista.
Pensar em uma solução para amenizar os efeitos na saúde mental das mulheres parece impossível neste momento. A psicóloga diz que um dos fatores que tendem a ser positivos em momentos como este é o senso de comunidade e de pertencimento. Porém, ela ressalta que, em primeiro lugar, o atendimento aos direitos humanos fundamentais devem ser garantidos para que a discussão de cuidados pós-catástrofe possa ser iniciada.
— É preciso garantir direitos de moradia, segurança alimentar, renda, saúde, prevenção à violência doméstica e comunitária para que possamos contribuir de forma efetiva na minimização dos efeitos desta experiência traumática — ressalta a profissional.
A situação, segundo a especialista, agrava-se para o público feminino, porque "quando tu tem os teus direitos violados pelo fato de ser mulher, isso te vulnerabiliza muito em vários aspectos, inclusive na saúde mental".
— Se não está se sentindo bem, muito desanimada, desesperançosa ou tendo outras reações e sintomas, é importante buscar ajuda na rede de saúde para uma avaliação e atendimento psicossocial — alerta Luísa.
Pensando em auxiliar a população, muitas iniciativas foram criadas e instituições mobilizadas. A ShortMed SOS Enchentes é um exemplo e pode ser uma alternativa na busca de apoio psicológico.
Criada em 48 horas e desenvolvida por 12 pessoas, a solução foi lançada no último dia 10 pela startup gaúcha WebMed, que faz parte do Tecnopuc. A solução é uma triagem, em que o paciente preenche um questionário online, explicando o que está sentindo e quais são os sintomas, entre outras questões. Depois disso, as respostas são enviadas ao sistema da TeleDoc, gerenciada pelo Grupo Doc.
Nesta segunda etapa, o profissional voluntário cadastrado na plataforma da TeleDoc assume o atendimento e entra em contato com o paciente para realizar a consulta. Tudo de forma gratuita. Existem várias especialidades médicas disponíveis, como psiquiatria e pediatria.
— Quando Luciano (sócio proprietário da WebMed) trouxe a ideia para nós, ninguém quis ficar de fora. O momento é de tristeza, mas eu, estando aqui, trabalhando neste projeto e sabendo quem é que vai ser atingido com isso, falando no senso positivo da situação, me causa felicidade e gratidão por estar podendo fazer isso — diz a gerente de operações da WebMed, Gislaine Lorenz.
Ela garante ainda que o atendimento é rápido, em no máximo uma hora. Da data de lançamento até a última terça-feira (21), quase 1,5 mil pessoas preencheram o formulário. Destas, 553 eram mulheres.
Em Canoas, na Região Metropolitana, cerca de 15 psicólogos voluntários estão realizando atendimentos nos abrigos do município. O gerenciamento destes profissionais é feito pela diretora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde, Renata Marin:
— A gente verifica a disponibilidade deles e os direciona para os mais próximos de suas residências. Nos maiores abrigos, existe um voluntário fixo para o local.
Uma das psicólogas é Juliana Mazuhy Colussi, que atuou na linha de frente durante a pandemia e agora repete o gesto solidário. Porém, ela afirma nunca ter visto uma situação igual a que está sendo vivenciada:
— Muito pior, vendo pela perspectiva mental. As pessoas perderam tudo. Não foi só a casa. São sonhos que foram deixados para trás, o que não aconteceu na covid-19.
Juliana afirma que a falta de perspectiva e lapsos de memória são os casos mais recorrentes nos atendimentos que ela realiza nos dois abrigos em que é voluntária.
— Elas estão com medo de adoecer, do futuro. Como, em sua maioria, são donas de casa, é o local delas que foi devastado. Diferentemente dos homens, que estão mais preocupados com a perda do trabalho. É isso que mais se escuta: "O meu sonho foi deixado pra trás. A minha casa..." — conta a psicóloga.
Juliana faz um alerta às mulheres que não foram vítimas diretas da catástrofe, pois, mesmo assim, a saúde mental pode ser afetada. Segundo ela, isso acontece porque existe empatia entre a comunidade. A orientação dela é pela busca por alguém com quem se possa conversar, desabafar e botar para fora tudo o que se sente.