Maria Bethânia irrompeu como furacão na música brasileira em fevereiro de 1965, no palco do Teatro de Arena, substituindo Nara Leão (1942 – 1989) no show Opinião, sucesso na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Contudo, como a intérprete se recusou a assumir o papel de “cantora de protesto”, como queriam executivos da gravadora RCA, Bethânia voltou para a Bahia após a explosão inicial.
Ao retomar a carreira, meses mais tarde, Bethânia seguiu trajetória de prestígio, encenando espetáculos teatrais a partir de 1967 e gravando discos cultuados em antenados nichos da MPB.
Contudo, foi somente em 1976 – com a veiculação nas rádios AM da gravação da canção Olhos nos olhos (Chico Buarque), feita para o álbum Pássaro proibido (1976) – que a cantora refez o elo com o chamado grande público, em escalada ascendente que alcançaria pico de popularidade com a edição do álbum Álibi em 1978.
Mel – álbum de 1979 que, 45 anos após o lançamento pela gravadora Philips, ganha reedição em LP, fabricado em vinil na cor creme opaco – foi o disco que reiterou e consolidou o reinado da cantora no universo da MPB.
Com vendas superlativas que roçaram o milhão de cópias, o álbum Mel repetiu a fórmula orquestral do álbum antecessor Álibi com produção musical e arranjos de Perinho Albuquerque.
O repertório continuou embebido em romantismo, mas ganhou dose de sensualidade em sintonia com o movimento que bafejava a MPB com ares femininos naquele ano de 1979. Ano marcado pelo sucesso de cantoras que também eram compositoras. Não por acaso, a debutante Angela Ro Ro aparecia em Mel com a canção Gota de sangue.
Joyce Moreno também vivia momento de ascensão como compositora, tendo assinado com Ana Terra a canção Da cor brasileira, música em que a letra feminina de Ana Terra perfilava o macho brasileiro com doses equilibradas de romantismo sensual e elegantes alfinetadas no comportamento machista desse homem tão autocentrado.
A sensualidade também regia Cheiro de amor (Jota Moraes, Duda Mendonça, Paulo Sergio Vale e Ribeiro) – jingle de motel que, na voz de Bethânia, se transformou em canção e em hit radiofônico – e o samba Infinito desejo, composição do mesmo Gonzaguinha (1945 – 1991) que forneceu o maior sucesso do álbum Mel, Grito de alerta, canção dramática amplificada na trilha sonora da novela Água viva (TV Globo, 1980).
Chico Buarque, compositor recorrente na discografia de Bethânia desde o início dos anos 1970, abordou a fome sexual dos sem-teto e sem pudor na canção Amando sobre os jornais, lançada no musical O rei de Ramos (1979) e logo gravada por Bethânia.
Mestre do barco de Maria Bethânia, o mano Caetano Veloso assinou três das 12 músicas do álbum. A canção-título Mel, parceria do compositor com o poeta letrista Waly Salomão (1943 – 2003), cravou o epíteto Abelha-rainha, desde então usado por fãs e jornalistas para se referir à nobreza de Bethânia.
Sozinho, Caetano assinou Ela e eu – canção que ganharia as vozes de Marina Lima, Ney Matogrosso e Simone, entre outros cantores – e Queda d’ água, música menos conhecida do repertório de Mel ao lado de Nenhum verão (Túlio Mourão).
Duas regravações comprovaram no álbum Mel a força e a personalidade do canto de Bethânia. Loucura (1973) era música então obscura lançada seis anos antes pelo compositor Lupicínio Rodrigues (1914 – 1974) sem repercussão. Na voz de Bethânia, Loucura foi alçada à mesma dimensão dos clássicos deste compositor mestre ao expor as dores de amores.
A outra regravação, Lábios de mel (Waldir Rocha, 1955), vinha do repertório da cantora Angela Maria (1929 – 2018), estrela da era do rádio, época entranhada na memória afetiva de Bethânia.
Enfim, com o álbum Mel, cuja capa expunha Maria Bethânia em foto de Marisa Alvarez Lima (1936 – 2018), o Brasil se lambuzou com o favo da Abelha-rainha, cuja voz era o instrumento do prazer musical do povo brasileiro naquela época.