É preciso ter extremada devoção aos Titãs para detectar algum sentido em Microfonado, álbum que, embora abra mão do rótulo acústico na capa e no marketing, é a rigor o quarto título sem eletricidade da banda atualmente reduzida a um trio formado por Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto.
Sob produção musical orquestrada por Rick Bonadio (criador da série Microfonado) com Sergio Fouad, sem amplificadores e alto-falantes, o trio recicla nove músicas – quatro dos áureos tempos da banda paulistana e cinco do recente álbum de inéditas Olho furta-cor (2022) – com convidados heterogêneos como Ney Matogrosso, Preta Gil, Lenine, Major RD, Bruna Magalhães e Cys Mendes.
O álbum Microfonado soa como anticlímax após turnê apoteótica, Titãs – Encontro (2023), que arrastou multidões pelo Brasil, reiterando a consagração e a força da obra da formação clássica do grupo aglutinado em fins de 1981 e efetivamente em cena desde 1982.
Gravado em abril em estúdio da cidade de São Paulo (SP), o disco gera show que sai em turnê pelo Brasil ao longo deste ano de 2024. Ou seja, se existe um sentido no álbum ao vivo, é o de originar mais um show, pois falta viço às nove gravações, antecedidas por falas do grupo sobre as nove músicas.
Hit inicial dos Titãs, Sonífera ilha (Branco Mello, Marcelo Fromer, Tony Bellotto, Carlos Barmack e Ciro Pessoa, 1984) abre o álbum com o diferencial de ser o primeiro registro oficial da canção na voz de Tony Bellotto, um dos compositores do radiofônico tema.
Na sequência, Ney Matogrosso entra em cena para dividir com o grupo o canto opaco de Apocalipse só (Sergio Britto e Tony Bellotto, 2022), rock tribal de inspiração indígena.
Apocalipse só é música do já mencionado álbum Olho furta-cor, de cujo repertório o trio também revive a canção Como é bom ser simples (Branco Mello, Bento Mello e Hugo Possolo, 2022) – veículo para Branco Mello e Preta Gil celebrarem as respectivas vitórias contra o câncer – e a balada roqueira Um mundo (Sergio Britto e Tony Bellotto, 2022), regravada com fluência e com a adesão vocal de Cys Mendes, cantora de Rondônia, projetada como vocalista da banda potiguar Plutão Já Foi Planeta e convidada pelos Titãs para ser uma das intérpretes da ópera-rock Doze flores amarelas (2018).
E por falar em balada, o álbum Microfonado dá segunda chance a uma das melhores músicas do álbum Sacos plásticos (2009), disco sem pulso dos Titãs, produzido pelo mesmo Rick Bonadio que idealizou o Microfonado da banda. Trata-se de Porque eu sei que é amor (Sérgio Britto e Paulo Miklos, 2009), balada ora revivida pelo trio com a cantora paraense paraense Bruna Magalhães.
A faixa soa bem mais sedutora do que a enésima abordagem de Marvin (Patches) (Ronald Dunbar e General Johnson, 1970, em versão em português de Nando Reis e Sergio Britto, 1984), agora com a adesão de Vitor Kley.
Se Cabeça dinossauro (Arnaldo Antunes, Branco Mello e Paulo Miklos, 1986) bate como simulacro do espírito punk do homônimo álbum de 1986, em gravação com o rapper Major RD que mostra que “os bons meninos de hoje eram os rebeldes de outra estação”, a crítica mordaz de A melhor banda de todos os tempos da última semana (Branco Mello e Sérgio Britto, 2001) ainda faz sentido em 2024, 23 anos após a gravação original.
Por fim, nem a presença de Lenine em Raul (Sérgio Britto, 2022) dilui a sensação de que esse baião hardcore tem mais a ver com a banda Raimundos do que com Raul Seixas (1945 – 1989), o homenageado da música.
Enfim, o disco Microfonado está nos aplicativos desde 27 de junho, o show vai para as ruas e o ouvinte antenado com a história dos Titãs tem a sensação de que essa gravação sem brilho é somente o pretexto para mais uma turnê da banda.