De pé em frente ao altar, com a filha no colo, Mateus Henrique Soares dos Santos começou a chorar antes mesmo de ver a noiva. Quando a cadeira de rodas enfeitada cruzou a porta da capela, lágrimas também já escorriam pelo rosto maquiado de Katrine Hanauer da Silva. Diagnosticada com câncer de colo de útero há cerca de três meses, a jovem de 24 anos, natural de Ivoti, casou nesta sexta-feira (21), no térreo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Katrine compartilhou com a equipe do programa de cuidados paliativos do HCPA, que é responsável por seu tratamento desde o início da semana, a vontade de celebrar seu casamento. Junto aos familiares, os profissionais da instituição se mobilizaram para organizar a cerimônia e uma festa. Ao ser conduzida para o altar pelo pai e pelo avô materno, a jovem realizou o sonho. A emoção tomou conta de familiares, amigos e profissionais de saúde que ocupavam o espaço.
Katrine segurava no colo a filha, Isis Valentina, de um ano e sete meses, quando o padre João Carlos Strack iniciou a celebração do matrimônio. Nem mesmo o religioso conseguiu segurar as lágrimas enquanto dizia em voz alta as frases que seriam repetidas pelos noivos.
Com a voz fraca, quase inaudível para quem estava no fundo da capela, a jovem prometeu:
— Eu, Katrine, te recebo Mateus meu esposo e te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te, todos os dias da nossa vida.
Isis segurava a caixinha com as alianças. Após a troca dos anéis, os noivos se beijaram e sussurraram “eu te amo” um para o outro. Com o fim da cerimônia, o padre também batizou a filha do casal.
Mateus aproveitou o momento para agradecer a colaboração de todos que tornaram o casamento possível. O motorista de 24 anos também se declarou à esposa.
— Sou agradecido de coração, eternamente, por cada um. Jamais esquecerei todos, meus amigos, familiares, médicos e, principalmente, minha esposa, que sempre vai estar guardada no meu coração. Ela sempre foi a mulher da minha vida e sempre será para o resto da vida — destacou, em meio às lágrimas.
Do lado de fora da capela, dezenas de pessoas aguardavam a saída dos noivos. O casal foi conduzido para o saguão do segundo andar do HCPA, onde havia uma festa — com direito à decoração, música e comida —, para completar a celebração. No local, Katrine, Mateus e Isis foram recebidos com chuvas de confetes em formato de coração.
— Não tenho palavras para resumir, porque é um dia muito especial. E eu estou chocada, realizada, é muito boa essa sensação — ressaltou Katrine, em conversa com a reportagem de Zero Hora.
O noivo acrescentou que a cerimônia lhes trouxe paz, segurança, amor e carinho em um momento muito difícil. Os dois estão juntos desde 2021.
— Que momento lindo que todo mundo conseguiu proporcionar para a gente. Foi muito lindo, tudo perfeito. É só alegria, conforto e muita gratidão a todos em nossos corações — disse Mateus.
De acordo com Mariana Ramos Vieira, médica residente de cuidados paliativos, a doença de Katrine é muito agressiva. Quando o diagnóstico foi realizado, em março deste ano, já havia metástase — que é quando o câncer se espalha para outras partes do corpo. Assim, quando chegou ao Hospital de Clínicas, em maio, seu quadro estava bastante avançado.
Mariana explica que a jovem passou por uma avaliação do serviço de oncologia e chegou a iniciar um tratamento, mas foi perdendo performance ao longo desse tempo.
— É uma paciente que está perdendo muito rápido a funcionalidade. Ela começou a não conseguir fazer algumas atividades que, para nós, são muito fáceis, como conseguir caminhar sem cansar, tomar banho sozinha. Quando ela começou a fazer o tratamento oncológico, vimos que a doença foi avançando e ela foi ficando mais frágil — conta.
A médica também afirma que um tratamento intervencionista, com cirurgia, não é viável, pois o risco seria maior do que o benefício. Diante desse cenário, foi necessário fazer uma adequação de cuidados, transferindo Katrine para a equipe de cuidados paliativos. Foi em uma conversa com Mariana que a jovem expressou a vontade de ter uma cerimônia de casamento.
— Quando pensamos em cuidado paliativo, não pensamos em morte. Pelo contrário, estamos aqui para falar sobre vida. Então, quando olho para Katrine, eu vejo vida e esperança. E eu jamais vou tirar isso dela. Eu sempre trago a parte técnica, porque precisamos que a paciente entenda o momento que ela está vivendo. Então, começamos a conversar sobre terminalidade — comenta a residente.
Assim, a festa e a cerimônia foram organizadas durante a semana e o resultado, na avaliação de Mariana, foi muito positivo.